quinta-feira, 17 de maio de 2018

Cecily Brown

Paradise to Go 3, 2015

Fui conferir a exposição de Cecily Brown, no Instituto Tomie Ohtake, e saí com um misto de admiração e decepção. Esperava mais. Cecily Brown (n.1969) é um dos grandes nomes da pintura contemporânea e não é qualquer dia que se esbarra em um conjunto de suas obras. Conheci seu trabalho através de livros e da internet e, claro, a atenção recaiu mais sobre as expectativas correspondidas que sobre as frustradas. Mas não seria justo registrar só as primeiras.

É preciso, antes de tudo, considerar o modo como Cecily lança mão dos propalados referenciais históricos em sua produção. Por trás de manchas e pinceladas aparentemente desconexas, há uma estrutura baseada em temas e composições icônicas da arte. Mas trata-se, no máximo, de um arcabouço, um mélange de espectros familiares, nunca menções diretas ou déjà vus. É por meio desse lastro, às vezes imperceptível, que Cecily reafirma uma liberdade própria da pintura. Em vez da culminância em realismo fácil, explícito, a subjacência se transmuta em dissociações e paralelismos de linguagens.

O que é dito se passa então em dois níveis, um discursivo-alusivo e outro pictórico - proposta bem distinta das radicais reivindicações de autonomia da modernidade. Os saltos de abordagem resvalam a todo instante na representação, ainda que vaga, da realidade visível, o que, para o observador persuadido por concepções expressionistas e sentimentais, pode levar a equívocos de interpretação. Tudo pode acabar rebaixado a uma visita a obras célebres, tendo como guia a mera subjetividade.

Apesar dos riscos, Cecily não prescinde da independência. Seu compromisso é com a pintura, não com limitações ou predeterminações. É notável, assim, que o emprego das referências se mantenha longe do caráter de releitura, que recai frequentemente nas ironias e proselitismos já batidos nesses estertores da pós-modernidade.

Quanto às propriedades físicas, a grande dimensão das obras amplifica a experiência do observador sem chegar a imergi-lo presencialmente, pelo domínio do campo de visão. A tela continua a ser tela, um objeto que ocupa determinado lugar. Os limites entre a superfície pictórica e a parede continuam perceptíveis e, para um efeito pleno, seria preciso outra opção, ainda maior, de preferência horizontal.

Mas para uma experiência realmente profunda seria preciso, sobretudo, algo mais instigante, já que nas obras tudo permanece no âmbito visual, sem reverberações interiores, apesar de estendido aos limites da catarse. Falta algo forte. As cores correspondem a um ideário caro demais à contemporaneidade e podem ser encontradas em qualquer estampa de camisa ou decoração de interiores. Mesmo as misturas surgidas, os cinzas e marrons execrados por antiquados manuais, não provocam o impacto que causariam numa circunstância mais densa.

Apesar das ressalvas, as obras mantêm um indiscutível dinamismo. O olho não pára, cruza a superfície, saltando em busca de reincidências cromáticas e sequências de contrastes. Alterações bruscas na aplicação dos pigmentos também revelam uma execução gestual, apesar de não acusarem maior envolvimento corpóreo na fatura.

No geral, a leveza do resultado expõe hiatos com a potência do lastro empregado. Mas em épocas de tentações duvidosas, a lealdade de Cecily à velha pintura é louvável. Seu culturalismo também é posto a serviço de um legado amplo da criação humana, não do prosélito complacente. À experiência, e apenas a ela, é que falta intensidade.


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