quinta-feira, 21 de abril de 2016

Máscara Mortuária de Napoleão Bonaparte no Museu Histórico Nacional



Nossos museus guardam relíquias nem sempre conhecidas pelo público. Muitas repousam durante anos, ou mesmo décadas, em reservas técnicas até que surja a oportunidade de serem expostas e contextualizadas por uma curadoria. Exemplo disso é o grande acervo arqueológico de peças da Antiguidade trazidas ao Brasil pela Imperatriz Teresa Cristina. Mantidas no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, apenas parte dessas preciosidades era exposta, até que, recentemente, mais exemplares do conjunto pudessem ser vistos e apreciados pelos visitantes da instituição.

É evidente que nem todas as peças mantidas em acervos têm importância artística. Museus, afinal, são também responsáveis pela preservação de objetos genéricos, testemunhos de outros tempos, de ideias e modos de vida manifestos em formas e usos que pouco ou nada dizem respeito à arte. Esses objetos, contudo, nos ajudam a compor um quadro mais amplo da visão de mundo de determinada época, por isso são preservados, por isso merecem atenção.

Uma das curiosidades guardadas no Museu Histórico Nacional é a máscara mortuária de Napoleão Bonaparte. Assim que morreu no exílio em Santa Helena, no ano de 1821, o imperador teve as feições moldadas pelo médico inglês Francis Burton. Desse molde, foi tirada uma matriz em bronze por François Antommarchi, também médico, de onde saíram os exemplares em gesso existentes. Um deles, feito em 1833, é o que está no museu carioca.

A prática da confecção de máscaras mortuárias remonta ao antigo Egito, quando as feições de governantes eram transpostas para o ouro. Foi somente durante a Renascença que se consolidou o costume de se preservar a imagem de pensadores e intelectuais. Exemplares como os de Torquato Tasso, Filippo Brunelleschi e Dante Alighieri tornaram-se célebres, ainda que deste último não tenha sobrevivido o original, apenas transposições para mármore. Mas se houve um século verdadeiramente pródigo na preservação da imagem de seus ídolos, este foi o XIX. Associações musicais por toda a Europa disputavam cópias das mãos de Liszt e Beethoven e as dispunham como em pequenos santuários; admiradores de Chopin escolhiam entre a máscara ou o molde das mãos do compositor, tirados pelo escultor Auguste Clésinger; bibliotecas e clubes literários encomendavam cópias das recordações mortuárias de Keats, Thackeray e centenas de outros autores da preferência dos associados.

Como em todo comércio, falsificações também surgiam, tendo a mais notória sido a de Balzac. O mercado saturado e a constatação, no século XX, de que personalidades efêmeras como atrizes e socialites podiam se eternizar em gesso da mesma forma que gênios e imperadores levaria a uma desvalorização ainda maior dessas recordações. Mas os valores reequilibram-se com o tempo. Aprimoram-se os critérios de qualificação e a atenção volta a recair sobre o que de fato importa.

Relíquias, como sabemos, envolvem episódios nebulosos, marcados por intenções nem sempre as mais nobres. A história do molde original da máscara mortuária de Napoleão é cercada de desventuras, tentativas de roubo e até mesmo de confisco judicial. Foi talvez graças à sorte que esse molde foi preservado e dele puderam sair exemplares como o que atualmente está no mais brasileiro dos museus.



3 comentários:

Anônimo disse...

Eu jamais poderia imaginar que existe uma máscara mortuária de Napoleão no Brasil. Gostei muito de sua abordagem cultural nos outros textos também. Obrigada pela indicação do poeta Ângelo Monteiro, que eu não conhecia. Ótimo seu blog!

Ana Magalhães, professora

Roberto Ormond disse...

Obrigado, Ana. Realmente, nossos museus guardam muitas surpresas. Quanto ao Ângelo Monteiro, sou um grande fã de seus escritos sobre arte e psicologia cultural. Existe muito a ser descoberto na produção dele.
Abraço

Helder Paraná Do Coutto disse...

O sr. Ormond sabe pouco. Posto que ao citar Dante, Brunelleschi e Torquato Tasso, passeia por outro muitos séculos que não o XIX, dando ideia errada ao leitor. Mas o que importa hoje, para o objeto central de seu comentário, é que foi queimado na pira da estupidez administrativa brasileira, estando perdido para sempre.