quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Um dia na Catedral da Sé, em São Paulo



Naquele 5 de Setembro, tendo saído do metrô na estação Liberdade, caminhei pela avenida até que pela primeira vez avistasse a Catedral da Sé. A enorme cúpula, imponente, chamava a atenção, e o volume diferenciado destacava o edifício do conjunto arquitetônico, fazendo com que os olhos abandonassem a paisagem ao redor.

Foi essa minha primeira impressão. Eu meditava então sobre o sentido de uma cúpula inserida na composição gótica. Concessão do arquiteto alemão à tradição latina? Homenagem à colonização italiana da cidade? Ou simples licença do ecletismo historicista em voga no início do século XX? Eu ainda meditava sobre esse tema quando me dei conta de que já havia contornado o templo, subido a escadaria, e agora me deparava com um portal cujas figuras naturalistas contrariavam a expectativa por imagens longilíneas, como as da Europa.

Internamente é uma bela catedral, embora não impressione pela extensão das naves. Apesar de também deixar a desejar em pormenores como os capitéis, curiosos, mas de fatura esquemática, é elegante e bem proporcionada. O transepto, coberto pela cúpula, mantém coerência tanto em sua verticalidade quanto na luminosidade oferecida a um coro em nada influenciado pela linguagem barroca. Essencial à apreensão ascensional do espaço, a austeridade teria sido anulada caso a arquitetura tivesse recebido a sobrecarga ornamental tão cara à nossa cultura.

A partir de uma capela lateral, próximo à descida para a cripta, os tubos do órgão podem ser vistos circulando a galeria à maneira de um deambulatório. As colunas entre as naves transmitem a noção de peso própria às construções do estilo - noção que, ao contrário das obras originais, permanece à medida que o olhar se eleva em direção à ogiva dos arcos. As portas laterais, de aspecto leve, parecem inconformes à massa estrutural.

Essas são pequenas ressalvas, que em nada prejudicam o interesse despertado pelo conjunto. Os vitrais, tornados discretos pela claridade refletida na brancura das paredes, nem por isso passam despercebidos. São heterogêneos, variados, produzidos de acordo com os velhos modelos europeus, tanto em cor quanto em proporção, concepção temática e execução.

Se a experiência não equivale na totalidade ao impacto de uma catedral européia, é bastante diferente da vivenciada nas igrejas brasileiras de matriz barroca. A racionalidade da estruturação espacial provoca estranhamento a quem está acostumado ao arrebatamento, fusão e interpenetração das artes da contra-reforma. Mas mesmo para quem estiver menos movido pela religião do que pela arquitetura, será fácil evocar um estado de alma mais próximo ao nosso. Basta posicionar-se sob um dos arcos, na diagonal, abarcando com o olhar os demais componentes das naves laterais, tendo ao fundo os vitrais e, na parte superior, elementos luminosos capazes de estabelecer analogias com o firmamento e a luz divina.

Quando se observam essas naves laterais, mais estreitas, desde o fundo, a perspectiva impede que se veja a principal, o que proporciona a esperada experiência da verticalidade. Inserida numa contínua moldura de colunas, a figura humana parece misteriosamente pequena, ao mesmo tempo envolta e ecoada em suas proporções pela catedral.

Com relação à fachada, além da singularidade da cúpula também é notável a altura da escadaria, sem dúvida fruto do terreno em desnível, mas que confere, sobretudo, monumentalidade à edificação. A elevação com relação ao nível da praça também a preserva para futuros aterramentos urbanos, um problema enfrentado pelos monumentos projetados para durarem séculos.

Foi essa minha impressão da Catedral da Sé.
Mas naquele 5 de Setembro desci a rua sem saber que algo mais estava para acontecer. Mal a experiência se esvaía em pensamentos, um homem rendia uma fiel e a levava sob a mira de revólver até a escadaria, diante da praça. Cercado pela multidão, matou um mendigo que tentava libertar a refém e, em seguida, acabou também morto pela polícia, alvejado por uma tempestade de balas. Os corpos estendidos e o sangue na escadaria lembravam a saga humana sobre a terra: o anseio pelo sentido da vida, a eterna luta contra o mal e a necessidade de sobreviver em meio às agruras e crueldades que horrorizam a civilização.

Quis o destino que momentos antes eu visse na imagem de um homem a "figura humana misteriosamente pequena, ao mesmo tempo envolta e ecoada em suas proporções pela catedral". Quis o destino que eu o fotografasse.

Eu não sabia, mas aquele era o criminoso.

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