quinta-feira, 11 de abril de 2013

Palavras sem tempo: Sonetos de Shakespeare


A criação artística jamais foi a simples manifestação do espírito de uma época. Três sonetos de Shakespeare e três obras de diferentes períodos, escolas e técnicas demonstram o quanto a arte merece ser considerada como fiel depositária da experiência atemporal humana sobre essa terra.

Domenico Ghirlandaio - Velho e menino - c1490
têmpera sobre madeira, 62x46 cm

Tempo voraz, ao leão cega as garras
E à terra fazes devorar seus genes;
Ao tigre as presas hórridas desgarras
E ardes no próprio sangue a eterna fênix.
Pelo caminho vão teus pés ligeiros
Alegres, tristes estações deixando;
Impões-te ao mundo e aos gozos passageiros,
Mas proíbo-te um crime mais nefando:
De meu amor não vinques o semblante
Nem nele imprimas teu traço duro.
Oh! Permite que intacto siga avante
Como padrão do belo no futuro.
Ou antes, velho Tempo, sê perverso:
Pois jovem sempre há de o manter meu verso!


Belmiro de Almeida: "Arrufos", 1887
óleo sobre tela, 89x116 cm

Em te amando bem sabes fui perjuro,
Mas foste-o em dobro por jurar-me amor;
Quebraste o voto de teu leito puro
E novo ódio votaste ao novo ardor.
Por que acusar-te a quebra de dois votos,
Se quebro vinte? Mais perjuro sou;
Fiz dos abusos juramentos rotos,
Da honesta fé em ti nada restou.
Jurei que eras gentil a vida inteira,
Jurei por teu amor leal constante;
Clareando-te, dei olhos à cegueira:
Fi-los jurar contra o que era patente.
    Jurei que eras honesta: falsa mira;
    Jurar contra a verdade tal mentira.
 

Fotografia de autor anônimo húngaro, c.1920

Dos seres ímpares ansiamos prole
Para que a flor do belo não se extinga,
E se a rosa madura o tempo colhe,
Fresco botão sua memória vinga.
Mas tu, que só com os olhos teus contrais,
Nutres o ardor com as próprias energias
Causando fome onde a abundância jaz,
Cruel rival, que o próprio ser crucias.
Tu, que do mundo és hoje o galardão,
Arauto da festiva natureza,
Matas o teu prazer ainda em botão
E, sovina, esperdiças na avareza.
Piedade, senão ides tu e o fundo
Do chão, comer o que é devido ao mundo.

Tradução dos sonetos por Ivo Barroso

Nenhum comentário: