sábado, 14 de julho de 2012

Teu futuro espelha essa grandeza num camelô do centro do Rio


          Estiquei o braço e puxei do meio de fascículos de cursos de inglês e guias de viagem essa Revista Brasileira de Música. Puxei assim, como quem não quer nada, e achei curiosa a capa, meio fascista, meio art-déco. Na gravura, uma gravura feminina à beira de um lago - ou rio, o que será ?  Aquele desenho era a cara de uma época em que tribos, rios e estrelas alimentavam o imaginário de nacionalistas e afins. "Tudo aqui é dois reais", me disse o sujeito da banca. "Anauê !" - caçoei baixinho, chamando a atenção de um velho de chapéu.
          1938. Nessa época a Europa estava à beira da guerra. Ministério da Educação e Saúde. É claro que a revista era coisa do Vargas. Villa-Lobos trabalhava nas Bachianas e implementava o canto orfeônico nas escolas. Pobres criancinhas!  "O grande problema de nossa vida artística se desenha em termos primários de cultura", vaticinava Eurico Nogueira França num artigo sobre o Congresso Musical de Praga. A edição celebrava os 20 anos da morte de Debussy e a inauguração do busto de Saint Saens no Ópera de Paris. Entre um tema e outro encontrei grafismos indígenas que mais lembravam circuitos eletrônicos. Faz sentido. Os deuses não eram astronautas ?
          Descobri que o Hino Nacional poderia ter tido outra letra, de um tal Carlos Magalhães de Azeredo, poeta defenestrado da história pela versão de Duque Estrada. A cereja do bolo era u'a matéria com o embasamento científico-fisiológico apropriado para as aulas de canto - da década de 1930, valha-me Deus! - e a louvação do ensino orfeônico nas escolas. Deve ter feito vítimas.
          Interessantes o perfil biográfico de Heinrich Kaspar Schmid, músico alemão totalmente esquecido, e uma relação de compositores norte-americanos até hoje ignorados nas tabas tropicais.
          O dono da banca já me olhava desconfiado.
          "É dois reais ?" - perguntei.
          "É sim, meu amigo."
          "Vou levar."
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